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02/07/2023 às 10:04

No mês do orgulho LGBTQIAPN+, fundador da Parada e da Zum Zum fala sobre a luta na causa, carreira e sexualidade

Gabriella Arantes

No mês do orgulho LGBTQIAPN+, em entrevista ao Entretê, Menotti Griggi, fundador da maior boate gay de Cuiabá,  Zum Zum Disco Bar, falou sobre a casa noturna, carreira e sexualidade. Ele também foi um dos fundadores da Parada e tem uma história de mais de 20 anos na luta pelos direitos deste público que nem sempre teve voz. 

A boate foi inaugurada em 2004 e permaneceu na Capital mato-grossense por 10 anos, até o seu fechamento em 2014. Chegou a ser considerada uma das melhores casa noturna da capital, atraindo até mesmo o público hétero e superando muitos preconceitos para a época.

Com o estilo único, o estabelecimento, localizado na Rua Presidente Castelo Branco, no bairro Quilombo, era conhecido por sempre inovar em suas festas, com shows de drags queens, exposições e mostras de cinema. 

Menotti Griggi, que atualmente atua como jornalista e produtor cultural, também contou um pouco sobre sua carreira, a possibilidade de abrir outra balada, desafios que enfrentou por ser homossexual e a Parada do Orgulho de 2023. 

Confira a entrevista completa na íntegra: 

Entretê - Como foi abrir uma boate gay naquela época? Me conta um pouco da história?

Menotti - Um pouco da minha história, tem que voltar um pouco mais aí. A Zum Zum, ela já foi lá pelo meio assim dessa trajetória. Então a minha primeira festa que eu fiz foi em 1995. Aqui em Cuiabá. Aqui em Cuiabá, uma festa chamada Mascarade

A gente tinha como inspiração naquela época, Madonna, tanto é que é uma foto dela. Quase não aparece que é ela, mas era uma foto que ela produziu. E aí, assim, uma festa que eu fiz um pouco pra entender a minha ansiedade de querer começar uma história na Capital, de promover um local onde os LGBTs - naquela época a gente falava de GLS - tivessem um espaço onde pudessem se sentir à vontade pra namorar, para conhecer pessoas.

E aí eu fiz muito sem pretensão, foi uma festa que lotou. Foi numa casa na Barão de Melgaço, que nem existe mais, que era da cineasta Gloria Albuês, era um casarão antigo. E assim, essa vez foi meu pontapé inicial e foi um público bem misturado, sabe? Artistas, gays, héteros, curiosos, então pontapé inicial. Aí a partir disso eu comecei esporadicamente a fazer festas. E passei alguns anos da minha vida fazendo festas em locais da cidade. Fiz em vários locais. E aí, antes de ter a Zum Zum, nos dois últimos anos, eu trabalhei dois anos fazendo festas no espaço que tem ali na Miguel Sutil, chamado Galeria do Pádua. 

Então eu fiquei dois anos ali, eu amo aquele lugar, acho um lugar incrível. E ele tinha tudo a ver com as minhas festas, sabe que tem uma pegada muito cultural, eu sempre trazia muitas novidades. Minhas festas eram sempre grandes eventos, no sentido de que não era uma festa que você chegava lá só para dançar e conhecer gente. Ela sempre tinha um tema, sempre tinha uma história.

Eu pesquisava muito, eu trazia muitas músicas, eu trazia muitos conceitos. Então, eu fiz muitas pesquisas sobre a cultura pop dos anos 80, 90. Então, isso era uma referência pra mim. Bebi muito nessa fonte pra poder trazer essas pesquisas e colocar nas festas.

Entretê - Enfrentou muitos desafios quando decidiu inaugurar a Zum Zum Disco Bar? Quando a boate foi aberta?

Menotti - A Zum Zum a gente abriu em 2004 E quando eu abri a Zum Zum é porque as festas já estavam se tornando muito frequentes. As pessoas que queriam que eu fizesse festa, eu fazia uma festa mensal, queriam que eu fizesse quinzenal, semanal, eu falei, então, peraí, vamos abrir um lugar. E aí quando eu quis fazer a Zum Zum as pessoas ficaram muito apreensivas, dizendo “nossa, mas porque você vai fazer a Zum Zum ali”? Ali não é para o público LGBT, ninguém vai, as pessoas não vão”.

Eu disse que precisava fazer a Zum Zum em um espaço e num lugar onde tenha todo mundo. Tenha a boate dos cowboys, tenham as patricinhas, os mauricinhos. Enfim, naquele círculo Cuiabá efervescência era ali. Eu falei, nós não podemos mais estar em guetos, nós não podemos mais estar afastados, então eu queria que a Zum Zum fosse ali.

E assim foi, construir ali naquele espaço foi um sucesso. As pessoas começaram a entender que elas tinham que ocupar aquele espaço, que elas não precisavam ficar se escondendo o tempo todo. Claro que eu respeitava muito as pessoas que estavam dentro do armário, as pessoas que não queriam ter a sua vida exposta, né? Então assim, eu meio que forcei uma barra também para a gente se impor mesmo e ocupar os espaços, né?

Entretê - A Zum Zum não era apenas uma boate, né? Vocês tinham exposições, shows e mostras de cinema?

Menotti - Não foi só uma boate, eu chamava de espaço cultural, porque a gente funcionava como boate, mas lá eu fiz exposição de fotografia, exposição de artes plásticas, teve mostras de cinema, teve teatro, teve cursos, teve palestras na área de saúde sobre o uso de preservativos, fizemos palestras sobre ISTs. Então assim, é um espaço que eu procurava fazer inúmeras outras coisas, então o entretenimento, a casa noturna, ela tinha a sua garantia de final de semana, mas a gente sempre inventava outras coisas. 

Entretê - O espaço também oferecia cursos para quem queria ser drag queen?

Menotti - A maioria das drags que são atuantes no mercado hoje, as drag queens, fizeram escola nas Zum Zum. Eu criei lá o primeiro curso de drag do Brasil. Que não tinha no Brasil. Não existia isso no Brasil. Foi logo na inauguração que a gente fez isso. Um curso onde as drags aprendiam a dublar, elas aprendiam um pouco sobre a cultura queer, elas tinham aula sobre empreendimento de carreira. Foi um curso bem bacana, formador mesmo e gratuito. E aí todos os grandes artistas que nós temos hoje no mercado saíram lá da Zum Zum, dessa escola. Como Sarah Mitch, Elsa Brasil, Leila Veronique, Lorena Kempfer, todas essas drags que atuam no mercado hoje são filhas das Zum Zum, são minhas filhas.

Entretê - Após 10 anos, porque a balada fechou? 

Menotti - O mercado é um pouco volátil, as pessoas querem novidades e tem uma coisa que eu acho que é muito peculiar que é o fato de que quando eu abri a Zum Zum, a população LGBT, ela queria estar limitada a frequentar lugares mais LGBTs, para LGBTs. Hoje não. Naquela época, quando eu fechei lá, em 2014, a gente já tinha uma abertura muito maior. As pessoas frequentam e começaram a frequentar todos os lugares. Então você vai nos outros espaços hoje, você vê nas casas noturnas, para quem gosta de música sertaneja, para quem gosta de lambadão, para quem gosta de rock, pra quem gosta de música eletrônica. 

Então, a população LGBT acabou se inserindo em todos os espaços. Isso não significa que a gente não possa ter uma outra casa noturna. Pode, mas assim, eu fico feliz que o mercado comece a se abrir, às pessoas começam a compreender melhor a população LGBT e tem mais respeito.

Então acho que eu fechei na hora que tinha que fechar, fiz a minha contribuição que tinha que fazer, né? E aí fiquei trabalhando em algumas festas paralelas, trabalhando com a organização da Parada, que eu sou um dos fundadores junto com o Valdemir e o Clóvis, né? Desde a primeira Parada. 

Entretê - Nesta semana você foi nomeado o Rei da Parada, como se sentiu?

Menotti  - Eu fui coroado o Rei da Parada pelo reconhecimento do trabalho, por ter sido a pessoa junto com o Clóvis e com o Valdomiro, que organizou a primeira parada e vem contribuindo ao longo de todos os anos sempre com a Parada. Então, esse ano na celebração dos 20 anos eles fizeram essa homenagem e no lançamento para a imprensa eles me coroaram como rei da parada.

Entretê - Você pretende abrir outra casa noturna? 

Menotti  - Não, eu acho que assim, eu tô num outro processo da minha vida, né? Eu sou jornalista também, né? Então eu tenho um outro trabalho atualmente, eu trabalho mais com assessoria de imprensa, sou produtor cultural, eu gosto muito de trabalhar com produção.

E também eu acho que tem muita gente, muita gente nova no mercado, muita gente trabalhando, muita gente atuando. Tem o pessoal da Oddly, tem o pessoal ali da Sumac fazendo festa. Tem muitas festas e muitas pessoas trabalhando. E eu acho isso muito legal, sabe? Muito legal que o mercado tenha tanta gente trabalhando, tanta gente produzindo e empreendendo para o público LGBT.

Entretê - Enfrentou algum preconceito por ser homossexual? Como avalia a nossa sociedade ao longo dos anos?

Menotti  - A minha geração, que é uma geração 50 mais, é uma geração que não é a geração de 20 anos hoje desses jovens que estão aí. Eu estou falando de uma sexualidade a 30 anos atrás. E há 30 anos era tudo muito complicado, era tudo muito velado. Você não tinha a liberdade que você tem hoje para você namorar. Não era assim. Você não ia para uma balada hétero namorar com o cara, né? 

Então, eu ao longo da minha vida, de uma certa forma eu não sofri tanto preconceito como tenho muitos amigos e muitos relatos de pessoas próximas que sofreram, mas, o que eu acho que eu sofri foi com a falta de informação e com a falta de ter com quem falar.

Eu vivi num momento que não havia internet, que eu não tinha informações para eu poder trocar, eu não tinha amigos com quem falar. Então, hoje essa juventude que está aí é uma juventude que está com muito mais acesso à informação, que tem muito mais respostas para dar no caso de uma homofobia ou no caso de sofrer algum preconceito. Essa geração está muito mais informada.

E não só a geração dos LGBTs, mas os héteros também, eles começam a ter essa compreensão de que você não pode fazer, não pode cometer crimes, apesar de que ainda acontece e acontece bastante. Mas assim, isso mudou muito, nós conseguimos muitos avanços. Eu acho que o principal avanço nesse sentido é o coletivo LGBT que vem trabalhando há 30 anos para chegar até hoje, a parada construída em 20 anos, com muito debate, com muitos seminários, com muitas gerações políticas, mas principalmente também a informação. A informação hoje é a base para a gente poder combater a homofobia.
 
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