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12/05/2024 às 08:08 | Atualizada: 12/05/2024 às 08:11

Mãe fabrica camisetas e outros artefatos com artes feitas por filho autista

Eloany Nascimento

Os desafios da maternidade é algo que todas as mamães enfrentam, principalmente as mães atípicas, que precisam lidar com custos extras e dificuldades como as terapias e outros cuidados necessários. 

Diagnosticado, com autismo, Dom Rondon, atualmente com 9 anos, começou a realizar desde pequeno artes com lego (brinquedo de construção). Apaixonada pelas obras do filho, a mãe, Naiara Silva de Souza, decidiu empreender e conseguir uma renda extra em meio a pandemia de Covid-19.

De início, a administradora por formação, queria apenas registrar as obras do filho, mas as pessoas gostaram tanto que o negócio se expandiu. Ela começou a vender camisetas e outros artigos com estampas dos desenhos do filho. [Modelos ao final da matéria]

O valor arrecadado com as criações, Naiara investiu nas necessidades dele. Com ajuda nas terapias, e outros gastos.

Ao Leiagora, a administradora contou com mais detalhes os desafios da maternidade atípica e como enfrentou as dificuldades com apoio da família e outras mães. A mulher destacou ainda sobre como incentivou o filho a focar na arte. [Veja algumas das artes,  ao final da entrevista]

Confira abaixo a entrevista completa:


Leiagora - O que é a maternidade pra você? Sempre foi seu sonho?

Naiara Silva de Souza - Como toda mulher nos tempos atuais eu não foquei na maternidade, fui estudar, fazer faculdade, depois veio o mercado de trabalho. Eu percebi que era muito difícil para as mães estarem fazendo as duas coisas, trabalhando e tendo filhos, então eu fui adiando essa situação.

Quando eu fiquei grávida, eu fiquei surpresa, mas foi uma surpresa boa porque eu já estava com 36 anos. Se eu não tivesse ficado grávida a idade passa e a gente não percebe, pela questão biológica, então fiquei muito feliz e fui me dedicar e adaptar minha vida.

A gente é uma pessoa antes de ser mãe e outra depois, não tem como é muito diferente, nossas prioridades mudam. A questão da maternidade atípica que é mais diferente ainda, exige mais devido as terapias que as crianças precisam fazer  e ela é mais dependente ainda.

Enfi, eu defino a maternidade como o papel mais importante hoje na minha vida. É o papel mais importante na vida de uma mulher que é mãe, antes de trabalhar, antes de se dedicar a alguma coisa, porque você tá formando um ser.

Leiagora - Como é ser uma mãe atípica, você acha que tem uma sobrecarga emocional diferente das outras mães?


Naiara Silva de Souza - A maternidade atípica exige mais da gente porque independente do nível de autismo que essa criança tenha você vai ter que ter mais tempo, paciência, por muitas vezes você não vai poder trabalhar. Eu tive que mudar meu meu trabalho para home office, para ter mais flexibilidade, levar e buscar meu filho nas terapias.

Outra questão, é que também essa mãe muitas vezes ela fica mãe solo, eu conheço muitas mães atípicas muitas mesmo e muitas vezes, elas ficam sozinhas porque existe uma dificuldade no relacionamento. A criança exige tanto cuidado que são poucos os pais que entendem isso, então conheço muitas mães como eu que sou mãe solo atípica.

Então isso é mais uma dificuldade, financeiramente é mais difícil, porque você tem uma redução no salário, por exemplo o meu trabalho home office não paga igual um trabalho presencial. Eu tenho a sorte que eu posso fazer esse trabalho online, mas muitas mães não.

Então além dos cuidados que você tem que ter com essa criança, tem que ter cuidados que são de muita atenção, criar novas habilidades e estudar.

Enquanto as mães que não são atípicas estão levando seus filhos para o balé, natação, um passeio para brincar, as mães atípicas estão levando os seus para terapia. A infância deles é um pouco roubada, porque é uma carga de muitas terapias e você não pode parar porque todos os especialistas falam quando é pequeno que você tem que estimular, porque vai chegar à fase adulta e o máximo que você puder fazer você vai estimular enquanto é criança.

É muito cansativa essa maternidade, às vezes a gente fala assim: 'nossa, eu queria ter um tempo só para fazer minha unha tomar um banho demorado, passear e a gente não consegue', porque muitas vezes elas não tem rede de apoio.

Leiagora - Em meio as dificuldades você começou a empreender, por meio da arte feitas pelo seu filho, Dom. Como tudo isso começou?

Naiara Silva de Souza - Eu tinha um trabalho fixo presencial numa empresa, só que quando veio o diagnóstico do Dom fui ser representante de produtos de beleza, relacionados a cirurgia plástica e dermatologia, então eu fazia visitas para médicos nos consultórios para ter mais flexibilidade.

Quando veio a pandemia acabei perdendo essa fonte de renda, porque parou as cirurgias e procedimento estéticos. Ai eu pensei 'meu Deus e agora ?' Então comecei em um trabalho home office na minha área, de administração, no entanto essa renda ainda não era o suficiente, aliás não é até hoje, pois se eu ficar só com isso não consigo.

Então eu pensava, nossa eu preciso ajudar a custear o tratamento Dom, tudo da vida dele. Foi ai que veio as vendas das camisetas. Inicialmente, eu comecei a fazer fotos das esculturas que eles fazia com lego (brinquedo de construção),  para ele ver as fotos do que ele fazia, porque ele construía escultura e desmanchava.

Um dia que resolvi fazer uma camiseta para ele ver como fica bonito, mas nem imaginava fazer nada para vender, e em determinando momento alguém viu ele com a roupa na terapia e comentou que estava linda e se podia fazer mais para vender. Foi ai que comecei a fazer para ajudar o Dom, agora já são três anos.

Eu fazia só as camisetas, ai comecei a fazer chaveiros, canecas e agora uma pessoa me encomendou um body de bebê. Também tem bottons, bolsas ecobag e cada hora vai surgindo uma coisa. Todo esse dinheiro que eu consigo vender ajuda a custear o tratamento dele.

Além disso, escrevo ele em concurso de arte para autistas para motivá-lo. Também coloquei o Dom em uma galeria de artes digitais, então a pessoa que quer comprar um desenho do Dom ela vai lá nessa loja e escolhe um desenho e compra para fazer o que ela quiser.

O mais legal é que eu conheço outras famílias que estão vivendo isso, conhecendo as vezes adolescentes que já estão nesse momento vivendo um mercado que eles mesmo produzem e isso é muito motivador.

Leiagora - Como foi quando você recebeu o diagnóstico e como foi toda essa adaptação?

Naiara Silva de Souza - É bem difícil quando você descobre. Você pensa como vai fazer, o autismo não tem cura é para sempre, ele será autista com 14, 20, 30, 50 anos, então quando você tem esse diagnóstico existe esse luto de você falar 'meu Deus, como que eu vou fazer?' Mas ao mesmo tempo você já pensa 'eu tenho que partir para uma ação', então você já busca as terapias, procura um neurologista e indicações de psicólogos.

O mais difícil nessa hora é onde você vai achar essas informações. Quem são os profissionais? Você não conhece ninguém nessa área. Então, você começa a buscar isso e por exemplo no meu caso o plano de saúde não cobria nada tive que custear todas as terapias e só depois de alguns anos consegui um tratamento para meu filho via liminar. Mas antes disso eu tive que peneirar. Fui para um grupo de mães que geralmente já sabem os trâmites porque os filhos são autistas e elas começam a te indicar e isso te ajuda muito.

Você se vê sozinha. Não tem ninguém na sua escola, não tem ninguém na família, ai você fala 'meu Deus estou sozinha', então realmente é uma sensação de impotência. Mas quando você conhece outras mães e famílias assim você começa a pertencer ao grupo e se sente melhor, porque tem com quem falar, e não vai ser julgado ali, existe um acolhimento muito interessante nesses grupos.

Nessa época, fiz amizade com algumas mães em Cuiabá que são amigas minhas até hoje, então por isso eu falo que isso é muito importante você ter amizade com pessoas que vivem o que você vive, porque é algo assim que você divide.

Então as mães funcionam meio que o Google de informação, e é muito bom assim nesse sentido.

Leiagora - Além de outras mães atípicas, você teve e tem uma rede de apoio?

Tenho minha irmã que é da enfermagem que aprendeu bastante sobre o assunto e sempre está disposta a ajudar o Dom, e também meu cunhado que busca sempre aprender e essa ajuda foi muito importante porque se eles não ajudassem se tornaria tudo mais difícil.

Tem dias que por exemplo que precisa de alguém para ajudar a dar um remédio e a minha irmã e meu cunhado me ajudam com esse remédio. Outra situação de ajuda é na hora de dar um passeio.

Então essa rede de apoio é importante porque existem alguns comportamentos, principalmente no início quando a criança é bem pequena você fica com medo, porque pode ser perigoso.

Outra coisa é se você precisar um dia se atrasar por conta do trabalho e não tem como buscar seu filho na escola, você tem que ter alguém pra dar esse apoio.

Leiagora - A rede de apoio também é importante para dar suporte emocional?

Naiara Silva de Souza - Sim, porque o suporte emocional foi muito importante, primeiro o familiar que me ajudou e ajuda muito e depois a clínica onde meu filho começou as terapias, que eu tive a oportunidade de receber atendimento psicológico, comecei a fazer terapia e isso foi muito importante, conversar com uma pessoa que não ia te julgar, e acho que todas mães precisam realmente, de um profissional para te ouvir.

Minhas amigas não passaram pela maternidade como a minha, então era muito difícil, eu sou a única pessoa que tem um filhote atípico e todos têm filhos típicos. Elas não entendem, por mais que elas pudessem ofertar ajuda. Mas eu tive amigas que me davam apoio emocional também.

Leiagora - Para finalizar nossa entrevista gostaria que você deixasse uma mensagem para todas as mães.

A gente precisa não achar que a gente é forte o tempo todo, aguentar tudo, temos que falar quando estamos precisando de ajuda, temos que ter uma amizade.

Além disso, tenha tempo para você, mesmo que seja uma vez no mês. Saia para tomar um sorvete, pra parar no tempo, nem que seja por 10 minutos. Vai fazer uma caminhada, por mais que você não vai ter mais uma vida social como era antes de ter filho, você tem que tentar algumas estratégias, mesmo que podem ser mais simples, mas elas têm que existir, é essa mensagem que eu queria deixar.


Arte Digital

Nas redes sociais, Naiara criou o perfil Somos Arte Tea para divulgar as obras do filho Dom, e outras ações voltadas ao autismo e maternidade atípica. Para conferir, basta clicar neste link.

As obras realizadas por ele também podem ser conferidas e adquiridas pelo site Dom Arte Típica, clicando aqui.


Confira abaixo a galeria de arte:
 
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