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19/05/2024 às 08:01 | Atualizada: 19/05/2024 às 08:17

Câmeras nas fardas e viaturas: entenda como vai funcionar o teste dos novos equipamentos da PRF em Mato Grosso

Paulo Henrique Fanaia

Durante 150 dias a Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Sorriso contará com um reforço nas operações, 12 câmeras de segurança que serão afixadas nas viaturas e nas fardas dos policiais. A cidade do Norte de Mato Grosso está entre os cinco municípios brasileiros escolhidos para participar de um teste nacional da PRF que busca adotar as câmeras como parte do aparato policial em todo o Brasil.
 
Embora a PRF esteja adotando os equipamentos em todo o território nacional, as câmeras ainda são um assunto polêmico e que divide opiniões em todo o país. O estado de São Paulo já adota as câmeras na Polícia Militar, mesmo assim, por lá, o tema ainda divide opiniões.
 
Em Mato Grosso tramita na Assembleia Legislativa um projeto de lei do deputado estadual Wilson Santos (PSD) que visa adotar os equipamentos, mas a proposta não tem aderência nem da metade dos parlamentares da Casa de Leis. Até mesmo o governador Mauro Mendes (União) é contra a utilização das câmeras.
 
Para entender melhor como vai funcionar o teste da PRF e também conhecer a metodologia do sistema, o Leiagora entrevistou o Superintendente da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso, Arthur Nogueira. Durante a entrevista, Arthur explicou que a ideia principal é testar diversos equipamentos e ter ciência de que cada região do país tem suas particularidades.
 
Arthur ainda explicou por que o município de Sorriso foi escolhido entre tantas outras cidades do país, qual a importância do teste para a corporação e como isso pode impactar a Segurança Pública em Mato Grosso.
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
Leiagora - Quando começou a ser discutido o projeto nas câmeras e nas fardas da PRF?
 
Arthur Nogueira - É uma fase de testes e essas cinco cidades foram escolhidas. O que ocorre? Alguns policiais já utilizavam câmeras próprias. Mato Grosso por exemplo, quando eu fui superintendente entre 2013 à 2017, nós fizemos a aquisição de câmeras pelo contrato da Concessionária Rota do Oeste. Nós compramos duas câmeras para cada unidade operacional da concessão, para que as equipes pudessem utilizar por entender que era uma segurança, tanto pro agente quanto para o cidadão. O que seria essa segurança? É trazer a realidade de uma abordagem, como é que ela funciona, o que foi dito, o que deixou de ser dito, para não ficar a palavra do cidadão contra a palavra do agente e vice-versa.
 
LeiagoraComo os testes estão sendo feitos nessas cinco cidades?
 
Arthur Nogueira - Antes de chegar na fase do teste, foi criada uma comissão pelo departamento. O diretor nomeou uma comissão que fez um estudo de equipamentos que há no mercado para que se fizesse testes com esses equipamentos. Sabemos que o Brasil é de uma peculiaridade, pois aquilo que serve no Rio Grande do Sul por exemplo, pode não servir para Roraima. Aquilo que serve aqui em Mato Grosso, pode não servir no Rio de Janeiro. Nós temos uma gama de atribuições, então, escolheram essas cinco regiões que são unidades operacionais em delegacias após um estudo, um levantamento do todo que a Polícia Rodoviária realiza. Essas delegacias contemplam a maioria das atividades que nós realizamos no dia a dia, que vai de uma simples abordagem até uma situação mais grave que evolui a uma troca de tiro, a prisão de alguém, envolvendo simples crimes como crimes mais complexos, tráfico de drogas. Então chegou-se a Sorriso no primeiro momento que é o teste na viatura e no corpo do policial, que é na região da capa que vem em cima do colete, para que possamos então identificar esse equipamento: “ele funciona bem de dia? De noite? No sol? Na chuva?” Em todas as condições que a PRF opera e aí vai definir quais equipamentos servirão para a instituição. Pode ser que tenhamos um equipamento que atenda a região Norte, outro que atenda a região Centro-Oeste, outro que atenda a região Sul. É uma compra nacional.
 
Leiagora - Serão cinco marcas diferentes que serão utilizados nesse teste?
 
Arthur Nogueira - Estão sendo testados. Além do teste dos equipamentos, há a formatação de como se dará a utilização desse equipamento. Por quê? Porque todas as áreas de atuação da PRF são regidas por manuais. Nós temos a Constituição Federal, a lei específica da PRF, as normativas internas. Fiscalização de crime ambiental, nós temos o manual de operações que o policial sabe o que fazer. Tráfico de droga, todas as fiscalizações serão diferentes. Feito todo esse levantamento, esse projeto que tem o prazo de até 150 dias para conclusão, se formatará um manual. Nesse manual terá lá: quando o policial vai ligar a câmera? Ele chegou no plantão, como que ele recebe o equipamento? Como que quem está saindo tem que entregar? É como se fosse um manual de instruções. Ele vai ligar em abordagem X, Y, Z? Ele vai desligar quando ele for ao banheiro? Quando ele estiver fazendo uma refeição dentro da unidade operacional? Depois, terminou o plantão, como que ele vai fazer a armazenagem desse arquivo? Tem que ter um local específico? Ele vai fazer o descarregamento das imagens, vai entregar para outra equipe com a memória vazia? Quanto tempo essa imagem ficará armazenada? Quais os trechos poderão ser descartados por uma comissão de especialistas que será nomeado pelo departamento? Temos o exemplo do radar móvel que também é um equipamento eletrônico altamente tecnológico. Ele armazena, capta a imagem dos veículos que excedem a velocidade. O policial que está operando, ele pode apagar a imagem? Não. Uma vez captada a imagem, ela será descarregada num sistema, esse sistema vai passar por homologação de três outros agentes especificados em portaria e pelo diretor-geral para homologar a imagem. Se ele descartar a imagem, tem que ter uma justificativa plausível de auditoria.
 
Nós sabemos que é um tema muito sensível. Alguns são contrários, outros são favoráveis dentro e fora da instituição. Tem cidadão que pode se sentir incomodado: “Por que está me filmando?”. Como tem policial que não gosta: “espera aí, eu vou viver um Big Brother agora no meu trabalho? E a minha privacidade?”. Tudo isso tem que ser previsto, porque tem uma legislação a ser seguida com relação a utilização. Isso já é polêmico em estados como São Paulo, onde a Polícia Militar já utiliza. Aqui em Mato Grosso nós temos as leis secas, onde todos os agentes de várias instituições que fazem abordagem utilizam. Câmera onde as imagens são utilizadas para facilitar ao Ministério Público oferecer a denúncia com relação ao estado daquele condutor. Esse é o princípio que a gente busca, da transparência da administração pública. Independentemente de quem é o policial, se ele é a favor ou não, uma vez tendo a normativa, tem o equipamento, ele terá que fazer uso de acordo com a norma. Isso pode inocentá-lo, como ele pode agravar a conduta, seja do cidadão abordado, seja do policial. Porque quando você tem um mundo como o que a gente vive hoje, onde todo mundo tem o celular filmando, tem câmeras para todos os lados, a pessoa está fazendo algo achando que não está sendo visto, mas aí aparece no outro dia alguém que filmou a ação dele. E muitas vezes consegue captar só a imagem. O julgamento de quem está vendo só as imagens vai ser um. Agora, quando você tem essas câmeras que registram a imagem e o áudio, você vai ter a clareza do que realmente aconteceu antes de uma ação e durante todo o curso daquela abordagem.
 
Leiagora - Por que Sorriso foi escolhida? Pergunto isso porque aqui em Mato Grosso nós temos cidades fronteiriças com a Bolívia como Cáceres por exemplo.
 
Arthur Nogueira - A PRF não é só trabalho de combate ao tráfico de drogas, roubo e furto de veículos, como tem em Cáceres. Nós temos a complexidade, por exemplo, de crimes ambientais, de um número assustador de acidentes de trânsito. É uma região populosa a região Norte. A complexidade da BR-163, que é um trecho que você sai tanto para o Pará com escoamento que vem aqui para Rondonópolis, para sair para os portos de Paranaguá e de Santos. Você tem todo tipo de carga, tem o transporte da madeira ilegal, tem o tráfico de drogas que opera por ali quando vem via aérea e sai por ali, tem roubo e furto de veículo, tem o trabalho escravo, tem um fluxo de veículos de carga diário muito maior que na região de fronteira. Então os policiais são bem mais exigidos nessa região mais populosa que é Sorriso e Sinop, do que numa região como Cáceres e Pontes e Lacerda. A quantidade de atribuição que nós temos nessa delegacia em Sorriso é muito maior do que nessa região fronteiriça. Está bem mais dentro da realidade do leque de atribuições e a gente precisa testar em todas as atribuições, em todas as abordagens. Se você vai abordar um ônibus é diferente do que quando vai abordar uma moto, um automóvel é diferente, um veículo de carga. Os trechos à noite ali naquela região são diferentes, o fluxo de veículos é diferente. Você tem as peculiaridades que foram estudadas, pegou-se um período daquilo que já foi realizado pelas equipes nas delegacias para chegar a essa escolha. Hoje a gente tem tudo monitorado, tudo que é feito está no sistema.
 
Leiagora - Será feito um teste de 150 dias. Depois desse teste o senhor consegue dar um prazo de até quando que todas as unidades do Brasil da PRF estarão utilizando câmeras?
 
Arthur Nogueira - Elas estão andando concomitantemente, começaram as cinco unidades experimentais no mesmo dia. Elas irão até o prazo final terminando no mesmo dia. Diante de todas essas informações, a comissão, que são policiais com uma certa especialidade nessa temática, eles vão ter um prazo para o relatório e entregar para a direção geral com tudo que foi levantado, prós e contras, tanto em relação ao equipamento como a construção do manual, para que a direção geral possa então chegar a uma conclusão: “Tal equipamento atende? Esse aqui não atende. Podemos construir um manual operacional de utilização dessas câmeras nessa formatação? Será utilizado em todo o Brasil?”. Não tenho como te falar o prazo porque vai depender das informações que serão captadas e que pode se estender como pode ser mais célere.
 
Leiagora - Ou seja, agora a gente só está vendo mesmo qual é o tipo de equipamento, mas que vai ser usado, vai ser usado?
 
Arthur Nogueira - Isso, e a dinâmica. Digamos que decida-se que vamos utilizar esse formato. Definiu-se o formato, definiu o equipamento. Quanto custa isso para mobiliar todas as unidades operacionais, todas as viaturas? Por quê? Eu tenho três viaturas em Sorriso, mas eu só tenho câmera para pôr em uma, duas ficam livres. Na hora da ação eu vou entrar na primeira viatura que estiver mais perto, mas essa não tem câmera. Eu vou voltar para pegar a que tem câmera? Não dá, o trabalho é dinâmico. Vamos supor que eu preciso de 5 mil, 6 mil câmeras que vão atender viaturas. Quanto custa isso? X milhões de reais mais a manutenção do sistema de armazenamento? Apresenta-se ao Ministério da Justiça, chega lá não tem orçamento e o projeto fica aguardando orçamento. Essa é a administração pública. Não é igual a iniciativa privada que o dono da empresa, os administradores chegam e: ''eu quero tal coisa está aqui o dinheiro'', a administração pública não é assim.
 
Leiagora - Tramita na Assembleia Legislativa um projeto que tenta colocar câmeras nas viaturas e fardas da Polícia Militar. Porém isso não tem adesão nem da metade dos deputados e muitos dos que trabalham na Segurança falam que isso inibe a polícia. Como o senhor vê isso? Isso realmente inibe o trabalho da polícia?
 
Arthur Nogueira - Eu como Policial Rodoviário Federal, Arthur Nogueira, vou falar como Policial Rodoviário Federal, não em nome da instituição que está testando, eu utilizei e comprei a minha própria câmera no período que eu estava operando na linha de frente, no trecho, num grupo de fiscalização especial especializado da PRF. Eu comprei de uma cor laranja que destacava no meu uniforme. E dizia ao cidadão na abordagem: “olha, a câmera está ligada, o senhor está sendo filmado”. Três anos, nunca tive nenhum problema. Por quê? Eu entendo que é uma segurança, tanto para o cidadão quanto para mim. Vai inibi-lo de me fazer alguma proposta indecente, quanto em relação a mim para ele e vai me colocar numa condição de todo mundo estar me vendo. Eu preciso ter a polidez necessária, o trato necessário que o servidor público deve ter. “Mas e em caso de estresse?”. Paciência, o estresse vai existir em algum momento, mas eu terei ali toda a evolução. Nenhuma situação inicia num estresse em nível tão elevado que você vai perder o controle, há uma evolução. Em muitos casos, quando chega num nível de evolução que a sociedade pode julgar que o policial extrapolou a sua forma de agir, a câmera pode mostrar que houve toda uma provocação em relação ao policial que não podemos esquecer que antes de ser um policial é um ser humano falível.
 
A busca da transparência, eu penso que passa por isso. Você não tem aí milhares de câmeras instaladas pelo governo, que está cuidando de várias ruas? Às vezes está na porta da sua casa aquela câmera. Ninguém foi lá perguntar para você se você deixaria instalar na porta da sua casa, para saber que hora você chega, que hora você sai, quem vai na sua casa. Ninguém foi lá perguntar pra você: “você quer ser filmado passando naquela rua?” O princípio da transparência da administração pública é algo que avança a cada dia, e o sistema de utilização de câmera, seja ela fixa na viatura ou no corpo do policial, na minha visão, mais ajuda o agente do que atrapalha.
 
Leiagora - O senhor acredita que o sucesso desse teste pode fazer com que o governo do estado mude de ideia e resolva colocar as câmeras na PM?
 
Arthur Nogueira - Olha, pode ser que aconteça. Nós estamos falando de uma instituição federal. Se for decidido que vai utilizar, vai estar no Brasil todo e isso pode, de repente, afetar todos os estados e a própria população pode verificar que o sistema funciona e que é bom e falar: “mas por que tal estado não está utilizando se a PRF utiliza em todo o Brasil?” Nós só saberemos depois que fizer e vivenciar.
 
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