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14/07/2024 às 08:07

Jurista da mesma área em que militavam advogados executados em MT aponta Direito Agrário como o mais perigoso de se atuar

Vanessa Araujo

Com as mortes dos advogados Roberto Zampieri e Renato Nery, uma lupa foi colocada sobre os profissionais que atuam no Direito Agrário, área em que ambos os executados militavam. Com apenas sete meses de intervalo entre uma execução e a outra, os fatos ligam um alerta sobre a segurança dos juristas que atuam com litígios de terras em Mato Grosso. 

Conforme a Polícia Civil, a morte de Zampieri, ocorrida em 5 de dezembro de 2023, quando o advogado saía de seu escritório, em Cuiabá, deu-se devido a uma disputa de terras avaliadas em R$ 100 milhões, em Paranatinga (a 375 km de Cuiabá). 

Renato Nery foi executado a exatos sete meses depois da morte do colega, em 5 de julho. O jurista chegou a passar por uma cirurgia e, posteriormente, foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não resistiu aos ferimentos. Ainda não há informações sobre os suspeitos de cometerem e determinarem o assassinato.

Para falar sobre Direito Agrário e os riscos que se corre atuando na área, o Leiagora entrevistou Ana Caroline Almeida Souza, advogada especialista em agronegócio pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). 

Leiagora - Como você ingressou na área de Direito Agrário e há quanto tempo você atua na função? 

Ana Caroline - Eu atuo com a regularização fundiária há seis anos, comecei a trabalhar em um escritório muito forte nessa área e tive a oportunidade de trabalhar com alguns litígios possessórios no norte [de Mato Grosso] e eu gostei da área, fui estudando, me aperfeiçoando e tô nela até hoje. 

Leiagora - Quais os riscos que advogados que militam no Direito Agrário sofrem? 

Ana Caroline - Essa área é uma área que é perigosa não só de hoje, talvez hoje esteja sendo mais noticiado, mas quem trabalha na área sabe que é perigoso. Eu acredito que é a área mais perigosa do Direito, até mais que criminal, porque a gente lida com valores muito altos e a gente tem duas partes, porque, no criminal, é o Ministério Público contra uma pessoa. Aqui [no Direito Agrário], são duas partes, nós temos o lado A e o lado B. Por se tratar de um litígio contra outra pessoa e valores muito altos, o perigo é sempre, é iminente, a todo momento. É muito difícil uma pessoa que atua na área que nunca recebeu algum tipo de ameaça. 

Leiagora - Com as mortes de Zampieri e Nery, há uma impressão de que Mato Grosso é terra sem lei? 

Ana Caroline - Sim, nós temos essa impressão, a gente tem essa insegurança e dá essa impressão. Mas, na verdade, eu acho que essa questão de terra sem lei até foge um pouco do poder da segurança pública, porque, inicialmente, é uma discussão ali particular, nem sempre isso é levado às polícias e como é algo corriqueiro, que acontece na vida do advogado especialista em Direito Agrário, muitas vezes aquela situação não está no ápice do problema. Então, parece que é uma terra sem lei, porque existem muitos casos. Como Mato Grosso tem muita terra rural, existem muitos problemas. Quanto maior a quantidade de problemas na regularização fundiária, maior é a quantidade de disputas. Então, isso traz sim um medo para nós, que somos advogados, mas acredito que, com a atuação do governo, a gente tem uma resposta positiva, principalmente por causa desses dois casos [Zampieri e Nery] que, infelizmente, aconteceram.

Leiagora - A OAB nacional pediu ao Congresso a inclusão do homicídio qualificado contra juristas no Código Penal. Você acredita que só isso basta? 

Ana Caroline - Acredito que isso seja um passo muito importante. […] É um trabalho que a OAB vem fazendo, tanto a nacional, quanto a estadual. Eu acredito que só isso não seja suficiente. Eu acho que também precisa ser viabilizado o porte de arma como uma prerrogativa de função para os advogados, que é algo que já existe para juízes e promotores. O advogado também é indispensável à Justiça, está previsto no artigo 133 da nossa Constituição. Então, acredito que essa facilidade do porte de arma como uma prerrogativa do advogado pode ser algo que traga mais segurança e que minimize esses casos. 

Leiagora - Por último, com as mortes de Zampieri e Nery, você e seus colegas ficaram com medo? Estão tomando alguma medida de segurança? 

Ana Caroline - É impossível a gente dizer que não impactou. Um advogado de qualquer área dizer que uma morte de um advogado, e a gente tratar como comum, seria banalizar a situação. Aqui, principalmente em Cuiabá, acho que todos sentiram, da área principalmente, porque os dois eram muito conhecidos, eles eram tidos como referências, e isso traz sim uma postura diferente dos advogados. Isso reflete tanto na segurança pessoal, porque já havia uma preocupação, mas, depois desses dois fatos, aumentou.
 
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